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Publicado em: 15 de junho de 2023 às 23:48
Caminhava a os calmos até a saída de sua padaria predileta, onde tomava café da manhã aos domingos, com o jornal da semana em uma mão e uma sacola de pães na outra, cumprimentando pessoas que, embora não lembrasse os nomes, sabia conhecer de vista.
“Como será que está se recuperando minha tia? Já faz 40 minutos que o procedimento acabou e não sei nem se conseguiram retirar o cisto do seu punho esquerdo. Custava alguém me mandar uma mísera informação sem eu ter que ficar ligando o tempo todo? Do jeito que fazem, resta-me apenas acreditar que, se algo ruim tivesse acontecido, certamente teriam me comunicado.”
No caminho até o carro, estacionado na quadra seguinte para evitar uma baliza, parou e permaneceu por longos minutos olhando para cima, na direção em que os raios de Sol encontravam pequenos espaços na copa de uma antiga e exuberante Sibipiruna, fazendo com que os pedestres olhassem também para cima na tentativa de entender alguma coisa que talvez pudesse ser entendida.
“Será que vai dar tempo de terminar a matéria para a edição de terça-feira? Já não sei se valeu a pena ser escolhida pelo chefe para fazer o texto no lugar das jornalistas mais veteranas, elas têm muito mais experiência do que eu e certamente já teriam feito tudo a essa hora. Sem contar que escrevem muito melhor do que eu jamais escreverei. Talvez meu destino seja esse mesmo, de ser escolhida, falhar miseravelmente e continuar no mesmo posto em que estou, para o resto da vida me contentando com meu salário de iniciante. Devia ter tentado ser médica…”
Destrancou o carro à distância, mas só atravessou a rua quando nenhum outro veículo acenava no horizonte, perdendo algumas boas oportunidades com tempo de sobra para atravessá-la. Da sua boca saía um assovio baixo e meio sem ritmo que um garoto, ao ar, ficou em dúvida se seria uma música da Rita Lee ou do Léo Santana.
“Devo estar doente. Essas dores nas minhas costas não são normais, talvez a médica tenha se confundido no momento de me examinar. E se, quando ela pediu para eu respirar fundo, eu não respirei fundo o suficiente e ela levou em conta justo aquele momento, perdendo o timing de identificar a doença? Pode ser alguma coisa grave, uma hérnia de disco talvez, ou até mesmo uma coisa pulmonar — já ouvi que alguns problemas respiratórios fazem as costas doerem. Será que os sintomas iniciais de câncer no pulmão incluem dores nas costas">De chinelos e pensando na marca de cerveja que compraria para assistir ao jogo do São Paulo, seu time do coração, o homem acenou de volta e teve sua dúvida interrompida por um rápido pensamento (na verdade, uma inofensiva inveja): “eita garota tranquila, sempre de bem com a vida… Quem me dera ser assim.”
Enzo é advogado em Santa Cruz do Rio Pardo
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